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França, uma bactéria, uma série da Netflix e um corte que vão te agregar 1%
Quase um roteiro da sessão da tarde...
Na ultima semana eu fiquei internado, passei 6hrs em uma fila, participei de uma série da Netflix, abriram um corte de 10cm na minha perna (que ficou aberto), perdi um vôo e fiz um amigo.
É engraçado como as coisas acontecem né?
Parece que o universo sempre coloca umas lições na nossa frente, quando você acha que com as rédeas acontece alguma coisa e… tcharan… o universo te mostra quem é que manda.
A minha última semana passou como se fosse uns 3 meses.
Esse email vai ser longo, vou te contar uma história e o que aprendi com ela, espero que tenha paciência para ler até o final e que goste!
🗺️Começo da novela…
Estava com uma viagem marcada pra fora do país, tudo certo, mas por algum motivo eu não estava muito animado, na realidade nem estava pensando na viagem.
Acontece que na semana da viagem comecei com uma dor muito forte no calcanhar, que achei que havia batido no jiu (até aí beleza). Ele foi piorando, inchando, ficando vermelho até que resolvi ir ao hospital.
Estava com minhas malas prontas, hotel reservado, tudo organizado.
Depois de 6 horas de fila de espera do hospital, a médica me da o diagnóstico:
infecção bacteriana🦠
Remarca passagem, tomar uma cacetada de antibiótico, remédio pra febre e dor, e ainda assim nada de melhora…
Marco um médico especialista, na segunda-feira seguinte ele me diz para trocar os medicamentos, lá se vai mais uma cacetada de antibióticos, remédio para febre e dor e… melhorou.
Nesse meio tempo eu continuo trabalhando, afinal não vai ser uma dor no meu pé, que parecia que estavam enfiando um prego nele, que vai me fazer parar.
Corro para fazer os exames que e na sexta feira o médico me da “alta”
– Ok, Enrico, pode ir viajar!
Fui arrumar novamente as malas que já estavam pre-prontas, agendo novamente todos os hotéis e lugares que iria eeeeee… chega sabado.
No sábado meu pé volta à estaca zero.
Voltou como se fosse o dia primeiro lá quando fui ao hospital, doendo que parecia que alguém estava martelando um prego na lateral do calcanhar, inchado, quente e a febre torrando novamente.
Eu tentei trabalhar, eu juro.
Tentei escrever, mas não conseguia focar… assim que começava a dor batia, tentei por uns 30 minutos desenvolver alguma coisa e desistir, pela primeira vez eu não conseguia nem usar o computador, nem ao menos ver um vídeo no youtube por causa de uma dor.
No domingo pego minhas coisas, dirijo 1hr e meia pra cidade dos meus pais (meu vôo sairia de lá).
Na minha cabeça eu estou pensando:
– Bom, deu uma piorada mas vai passar… tô indo pra casa dos meus pais porque aí eles me levam pro aeroporto.
Lá em cima Deus estava pensando:
– É você tá indo pra casa, mas não é por esse motivo não…
Chega domingo.
Meu pé piora a níveis estratosféricos, vou pela segunda vez ao hospital e resolveram me internar.
Não preciso nem falar que não fui viajar né?
…sério, não é possível isso, pela segunda vez desmarcar a viagem e agora vou ter que internar porque o tal do antibiótico não faz efeito.
Acordei em uma cama de hospital, não fazia ideia de como era a fachada do hospital mas sei que estava internado até melhorar e vencer a tal bactéria.
Sabe a série Ruptura? Onde o pessoal fica preso dentro do trabalho e não sabe o que tem fora do prédio, eu estava na versão hospitalar da série.
Meu quarto era compartilhado, mas uma cama vazia estava do meu lado, ou seja, quarto particular. Convenci a enfermeira a me deixar sozinho até certo ponto, depois fui obrigado a ter um colega de “cela”.
Alexandre tem 55 anos, 3 filhos e foi técnico de enfermagem por 33 anos, dedicou a vida inteira a tratar pessoas no pronto socorro. Na última semana foi ao hospital ver uma veia entupida e descobriu 3, com 98% de restrição… UTI na hora.
Ele estava aguardando sua diabetes diminuir para poder fazer a cirurgia do coração, imagina controlar essa ansiedade.
O cara ficou uma semana na UTI, esperando a operação dele até que subiram ele para a área comum junto comigo.
Eu rezava para não ter companhia e a primeira coisa que esse cara me fala é:
– Pode deixar que você tá comigo irmão! Qualquer coisa aqui eu te salvo.
Que tapa na cara que eu levei do universo…
Conversamos sobre tudo, sobre histórias da vida, sobre medicina, sobre tratamentos, de piadas infames a papos bestas. A quantidade de histórias que esse cara tinha não é normal, me contou de quando ele perdeu uma criança de 4 anos no pronto socorro porque a ambulância não chegou a tempo, de quando teve que brigar com um fisiculturista drogado e pelado no hospital e de quando ensinou as enfermeiras (que estavam cuidando de nós).
Sempre que alguma enfermeira vinha me analisar o cara ele me ajudava a fazer as perguntas certas e inevitavelmente sofrer menos.
Bom, depois de algumas horas internado decidiram que iriam me operar, cortar 10 cm da minha pele para ajudar na infecção e deixariam o corte aberto.
Se não fosse meu “companheiro de cela”, eu não saberia metade o que fazer e ficaria muito nervoso nessa situação.
Desde então foram centenas de histórias, risadas e o cara me ajudando com a minha situação.
Nós acordavam as 3, 4, 5 da manhã para tomar medicamento, limpar curativo, enfim… imagina você com dor, dormindo pouco e preso em um andar de hospital.
Minha família permanecia vindo todos os dias, meu pai preocupado, minha mãe fingindo naturalidade e minha irmã (que quer ser médica) adorando tudo.
Eu ainda estou tentando esperar a poeira baixar para analisar tudo com calma, mas fiz questão de vir aqui te escrever para ter tudo o mais fresco possível.
✔️ Se eu pudesse enumerar o que aprendi nessa última semana que valeu por um mês:
1 – Aprenda com o Inevitável
Às vezes queremos algo do nosso jeito (eu convencendo as enfermeiras a não colocarem outra pessoa no meu quarto) mas o Universo tem outros planos, muitas vezes é mais vantajoso pensar em como tirar o melhor das experiências do que ficar tentando brigar para mudar o rumo do futuro.
—
2 – Sempre se adapte
Eu poderia ficar reclamando que não fui viajar, que não consegui fazer o que queria, que perdi dinheiro - e eu quis fazer tudo isso - mas não me permiti.
Aconteceu alguma merda?
Ok, o que vamos fazer a respeito agora?.
Se adaptar aos revezes e não perca 1 minuto lamentando, não é útil e não vai te deixar mais feliz.
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3 – Sirva ao próximo como um profissional da saúde.
É incrível como nós vemos inveja e demais sentimentos negativos em outras áreas profissionais.
O que mais me surpreendeu nos profissionais da saúde é a vontade de cuidar e servir.
Seja médico, enfermeiro ou técnico, todos tem uma vontade inata de servir e eu acho isso lindo, se traduzirmos isso para a nossa profissão, seja ela qual for eu tenho certeza que nosso resultado (e impacto) será multiplicado.
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4 – Em Frente de peito aberto
Enrico vou ter que abrir um buraco de 10cm na sua pata e nao vou poder fechar, ok? Ok.
Não tinha nada que eu pudesse fazer a respeito, ou ficar pensando, a única coisa é me preparar para o pós operatório mentalmente sabendo que seria dolorido, ainda mais ter um corte desses aberto.
Não adianta ficar reclamando, já pensa na próxima fase, como vamos enfrentar isso e seguir.
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5 – Não lamente, tem gente pior.
O ser humano tem a incrível capacidade de só pensar no próprio umbigo.
Digo isso numa boa, porque eu também sou assim, nós achamos que a nossa dor é considerável… mas quando você se depara com o que acontece no mundão afora percebe que você é um sortudo e deveria estar agradecendo.
Dúvida?
Vai visitar uma ala de crianças vítimas do câncer em qualquer hospital.
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6 – Sempre agradeça e relembre que é grato
Sempre que as filhas do Alexandre chegavam para visitá-lo, mesmo aquela que ele havia brigado, ele fazia questão de antes da saída falar que amava cada uma delas, ligava pra elas quando elas não iam visitá-lo e quando sua mulher ia para o hospital queria ficar de mão dada com ela (mesmo deitado na cama).
Ele, que poderia a qualquer momento sofrer um ataque fatal, estava valorizando cada segundo aquilo que realmente importava pra ele e nós – saudáveis – sempre esquecemos.
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7 – Trate todas as pessoas ao seu redor MUITO bem.
Dale Carnegie já falava que quando nós incentivamos um comportamento de uma pessoa ela tende a melhorá-lo e nos ter na mais alta estima (não é puxar saco é tratar bem).
Acontece que simplesmente falar: “trate as pessoas bem” não funciona. Afinal, qualquer ser humano que se preze pensa que trata as pessoas bem, portanto, trate as pessoas MUITO bem.
Foi assim que consegui mais café, que evitei ser furado mais 5 vezes pra tirar sangue e que qualquer pessoa pode deixar um caminho de sorrisos por onde passa…
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8 – Não aceite qualquer coisa como resposta.
Eu fui criado em um sistema onde devemos o máximo respeito aos profissionais e aos mais velhos.
No sentido de que seria normal você quase entrar de cabeça baixa em um consultório médico.
No entanto, no hospital comecei a questionar no sentido de tirar dúvida mesmo para entender o que estava acontecendo (que medicamento eu vou tomar agora? Quando vou fazer o exame? porque fazer esse exame?).
Comecei com os técnicos e no último dia estava questionando o cirurgião, não como forma de afronta mas sim de curiosidade/dúvida mesmo.
Muitas vezes peguei as pessoas no pulo, nem elas sabiam ou tinham certeza e foram verificar mais uma vez.
Não se deixe levar pelas patentes, questione (educadamente) tudo.
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9 – Leve o seu castelo com você (material e mentalmente)
Quando eu era criança li um livro de ficção que falava…
“os magos tinham a habilidade de entrar em seus castelos independente do lugar onde estavam, nesses castelos eles conseguiam meditar, planejar e fazer o que bem entendessem”
Era uma ferramenta mental para sair de onde estavam e ficarem em um lugar seguro onde poderiam ficar em paz e raciocinar com calma.
Quando cheguei no hospital, ainda mais por estar com meu equipamento, me senti estranhamente… em casa.
Abri o notebook e minhas páginas abriram normalmente, estava no meu “castelo” novamente e consegui trabalhar quase que normalmente.
Essa é uma habilidade interessante e importantíssima, independente de onde estiver conseguir voltar ao seu castelo, seja dentro da sua cabeça ou usando suas ferramentas de trabalho, te coloca em uma zona de familiaridade onde você consegue pensar, planejar e sempre… estar em casa.
—
10 – Tudo é aprendizado e faz parte da sua aventura.
A sua vida é uma aventura e tudo o que acontece faz parte do capítulo atual que você está vivendo.
Eu poderia enfrentar o que rolou comigo como:
“Agora cancelei minha passagem, não vou mais viajar e to preso nesse hospital, vou sentir dor e nem sei quando saio”
Mas, ao contrário, pensei…
“A reviravolta me fez cancelar a minha passagem, agora tô dentro desse hospital com um cara que nao conheço, o que será que eu tenho que aprender aqui...”
Entende?
É usar a ingenuidade da criança para enfrentar a vida como uma aventura, onde teremos momentos bons, mas também teremos dor, sofrimento, raiva e tudo faz parte do processo.
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Bom, ainda tá muito cedo…
Mas quis vir aqui até como uma forma de memorizar tudo que passei nesses últimos dias, esse texto ficaria guardado a sete chaves apenas pra mim, mas quem sabe pode ajudar alguém se eu compartilhar.
Espero que tenha te agregado, nem que seja 1%
Abraços,
Enrico Mcoa